A história das mais de mil palavras numa imagem

Quando era pequena ouvia muito uma expressão que me deixava tão intrigada e a imaginar mil histórias… ”uma imagem vale mais de mil palavras”!

Não percebia muito bem o que me queriam dizer os mais velhos com isso, mas ficava sempre a pensar que se valia mais de mil palavras dava de certeza para contar uma história. Uma bela história! E a verdade é que me habituei desde muito pequenina a olhar as imagens com muita atenção e a imaginar mil e uma coisas. Aprendi a imaginar e a contar histórias com as tais mais de mil palavras que a imagem valia.

Fiz isto durante muito tempo. Imaginar histórias era o que eu mais gostava de fazer.

Um dia já cansada de olhar as imagens dos outros e contar as histórias de mais de mil palavras contidas nelas aventurei-me em ser eu própria (vejam bem o disparate…) em criar as minhas imagens que valeriam mais de mil palavras e contar as histórias.
Não era coisa fácil. Não senhor! Era preciso olhar a coisa com muita atenção, fosse bicho ou pessoa, fosse vivo ou não vivo, captá-lo com a máquina fotográfica, com os olhos ou com o lápis, encontrar as tais de mais de mil palavras e escrevê-las de modo a serem uma história.

Enchi-me de coragem e tomei uma grande decisão. Era preciso ir além de só olhar as imagens dos outros. Troquei as voltas à expressão e em vez de “uma imagem vale mais de mil palavras” criei uma outra: “mais de mil palavras numa imagem”. Parecia estranho. Mas não desisti. Sabia bem as palavras que ia usar, só precisava de as desenhar e pintar.

Peguei na folha branca e no lápis preto dos desenhos. Afiei-o muito bem. Não queria que nada falhasse.

Sentei-me na minha cadeira espacial e com muito cuidado coloquei as palavras ao meu lado em cima da minha mesa, também espacial. Sim. Não me enganei. São mesmo uma cadeira e uma mesa espacial. É que quando me sento na cadeira, em frente a essa mesa, elas levantam voo e eu viajo pelo espaço, por entre a Lua e as estrelas e perco-me nos meus sonhos nas entrelinhas, letras e histórias.

A minha mãe até me costuma dizer:

- Lá estás tu com a cabeça na Lua!

E foi isso que aconteceu naquele dia! Mas eu explico.


Assim que comecei a desenhar com o lápis preto bem afiado na folha branca as três palavras que tinha em cima da mesa levantei voo. Mal isso aconteceu as letras das palavras ganharam vida, fugiram da folha branca e flutuaram ao meu redor, serpenteando como se marcassem um caminho. Deixei-me guiar por elas num serpentear do meu corpo, da cadeira e da mesa, e qual não foi o meu espanto, quando avistei um molho de linhas que se entrecruzavam.

Era cá uma confusão! Havia linhas para a direita, outras para a esquerda, umas para cima e outras para baixo. Havia linhas paralelas e outras perpendiculares e até havia umas que formavam diagonais. No meio dessas todas até consegui ver umas linhas curvas e várias fechadas!

Por momentos deixei para trás a mesa e a cadeira espaciais e esvoaçando lentamente aproximei-me e reparei que as linhas se tornavam cada vez mais densas e escuras. Ao princípio não percebi bem o que formavam. Aproximei-me um pouco mais.

Nas entrelinhas lá vislumbrei a Lua. Na verdade vislumbrei as várias fases da mesma Lua. Sei que era sempre a mesma porque era aquela que me aparecia desde sempre nos meus sonhos, desde menina.

Sentei-me com muito cuidado na Lua, mesmo na pontinha, naquela que é um “C”. Um “C” de crescente, mas na realidade é o contrário… é que dizem os entendidos em assuntos da Lua que a Lua é mentirosa… mas essa é outra história que um dia vos hei de contar… Sentei-me então na Lua que é um “C” de conto. E lá me deixei ficar a baloiçar.

Enquanto baloiçava, com os meus pés quase a tocarem as fases da Lua, as letras em meu redor formaram mais de mil palavras.

Adorei ver aquele espetáculo de letras e mais letras a bailarem até formarem palavras e de palavras e mais palavras a rodopiarem até formarem frases. E de repente lá apareceu mais uma história. Foi lindo de ver! Foi maravilhoso de sentir!

Fiquei tão feliz ao ver a história mesmo diante de mim que a minha vontade foi saltar do baloiço e agarrá-la com toda a força. Abraçar-me a ela e nunca mais a largar. Mas não podia ser! E se a história se assustasse e desaparecesse?

Então, muito devagar para não a assustar estendi-lhe as mãos e guardei-a numa bolsinha da cor da magia junto ao meu peito para não se perder. E quando já estava bem recolhida o baloiço parou e eu esvoacei de regresso. A mesa e a cadeira espaciais pousaram lentamente no alpendre da minha casa e eu pousei com elas.

Senti a brisa vinda do mar no meu rosto e quando acordei do meu sonho e olhei a folha de papel ela já não era branca. Tinha as fases da minha Lua desenhadas.

É o caminho que todos os dias faço até ela. Até à pontinha da Lua do “C” de Conto.

Era um desenho, uma imagem da minha história, de como todos os dias nas entrelinhas apanho letras que formam as minhas histórias. De como as guardo na bolsinha da cor da magia.

E eu acredito que tu és como eu! Que todas as noites e quem sabe, talvez todos os dias, viajes na tua “coisa” espacial até à tua Lua e fiques lá a observar, a sonhar e a apreciar o bailado das letras e das palavras e nas entrelinhas também tu constróis as tuas histórias que depois guardas numa imagem, num desenho.

E é por isso que esta é a imagem que eu construí com “mais de mil palavras numa imagem”.

E se não acreditas conta lá tu com quantas palavras te contei com esta história!

Sandra Lima