De que forma pode a leitura influenciar no desenvolvimento psicológico da criança?
Esta é uma questão à qual tenho dedicado a minha atenção e que vai além da mera compreensão da sua importância como competência de descodificação no âmbito da língua materna. Efetivamente, a leitura tem um impacto significativo em diferentes áreas do conhecimento, desde as linguísticas às científicas nas quais se incluem a matemática (Lima S., 2013). É, por isso mesmo, uma competência que condiciona o desenvolvimento psicológico quer no sentido de ser obstáculo, quando não eficaz, quer no sentido de facilitador quando a criança é eficiente nesse processo.
São vários os artigos e estudos académicos disponíveis nos diferentes meios que sustentam a importância da leitura precoce na criança.
Quando se fala em leitura precoce entenda-se que se considera, entre outras estratégias, aquela que é mais comum e realizada por um adulto ou por outra criança, normalmente em voz alta, com o apontar do dedo que vai direcionando a atenção e olhar da criança para as palavras. Gradualmente a criança vai reconhecendo sons e associando a sua fonética à representação gráfica. Esta é talvez a forma de leitura mais precoce e à qual natural e instintivamente pais e educadores recorrem, logo desde muito cedo ainda a criança com poucas semanas ou meses de idade. Outras estratégias são utilizadas, algumas delas com um sucesso evidente e que se mostram como potencializadoras da fluência leitora (Borges, M., 2020).
Uma outra estratégia considerada precoce e que inicia a ativação de estruturas cognitivas que vão desencadear o processo de leitura é, por exemplo, a leitura por imagens, em que a criança, ainda em idade pré-escolar, é convidada a “ler” a partir de imagens dadas. A criança “lê o que vê” com a liberdade própria da imaginação orientada pela imagem.
E é desta forma livre que a leitura surge como uma competência que facilita a abertura do mundo à criança e da criança ao mundo, promovendo a construção e interligação entre as estruturas cognitivas e assim promovendo o desenvolvimento psicológico da criança.
Quando se fala de leitura enquanto competência adquirida num certo nível de desenvolvimento associa-se o conceito de literacia.
Ernesto (2005) refere que literacia terá sido inicialmente usada pelos países anglo-saxónicos com o termo “literacy”, o que poderá ter surgido por terem sido estes países os primeiros a apresentarem uma real preocupação com os níveis de literacia da sua população. A definição dada no dicionário da Oxford para o termo “literacy” remete para uma visão simplista, entendendo-se como a capacidade de ler e escrever (Ernesto, 2005). Segundo Martins-Delgado, Costa & Ramalho (2000, p.13) Olson chama a atenção para o facto de ser um “conceito mais geral do que ler e escrever, incluindo não só a competência e os usos da leitura e da escrita, mas também as funções que a leitura e escrita desempenham na formação e na acumulação de procedimentos, leis e textos que constituem o corpo principal da cultura histórica”.
Hoje em dia a preocupação com este conceito é crescente e vai mais além do que considerar-se independentemente da obrigatoriedade ou não da frequência do sistema escolar, precisamente porque se traduz no uso das capacidades de ler e escrever das crianças.
Assim é inegável a importância que a leitura tem para o desenvolvimento desta competência e que é extensível a diferentes áreas do conhecimento, entre elas à científica.
Independentemente do nível de desenvolvimento da competência leitora e apesar de as crianças lerem e escreverem, nem sempre são capazes de interpretar, relacionar e compreender o que leem e escrevem e de assim adquirirem capacidades de literacia.
Significa isto, que apesar da frequência escolar as crianças nem sempre possuem um domínio suficiente da leitura que lhes permita o seu uso em situações do quotidiano, em diferentes contextos no âmbito social.
É, então, necessário que, tal como defende Witherspoon (1999, p.396), que “os ajudemos a ler e a usar os símbolos de forma apropriada”. É essencial que a criança tome consciência de que os símbolos, mesmo os utilizados numa vertente científica, quando utilizados, não são meros sinais os quais manipulados permitem chegar a um resultado, mas que mais do que isso são elementos significantes que representam ideias, sobre os quais se deve refletir e discutir, tal e qual acontece com os símbolos que representam fonemas e que permitem a formação de palavras e consequentemente frases e textos.
Apoiada nos estudos de Doise, Mugny e Perret-Clermont que mostraram que crianças que interagiam entre elas enquanto desenvolviam atividades ou tarefas progrediam com maior rapidez do que as que as realizavam individualmente, César (1998) conclui que o desenvolvimentodo conhecimento, da cognição e a aquisição de competências depende fortemente das interações sociais. De facto a criança interage com o que a rodeia desde muito cedo. Para Piaget (e.g. Sprinthall, 1993) o desenvolvimento das aprendizagens ocorre logo desde o nascimento, essencialmente nesta fase da vida por interação com o meio, através do uso dos sentidos. As graduais interações da criança com o meio permitem-lhe, enquanto aluno, estabelecer relações com ele vivenciando “situações de ação” (Palhares, 2002, p.309). A estas interações chama de “dialética da ação” entendida por ele como o conjunto de situações didáticas que permitem ao aluno construir uma representação da situação sem recurso a um modelo. Ou seja, o aluno constrói estratégias de aprendizagem pela integração de experiências vividas, com a orientação do professor como defende Laborde (Ribeiro, n.d.).
Ao longo das últimas décadas tem-se notado um crescente interesse pelo estudo das interações (Sierpinska, 1998). Sierpinska (1998) apoiada nos trabalhos de Forgas, Brunner e Bornstein, realça em especial a ênfase que se coloca no estudo das interações entre uma criança em desenvolvimentoe o adulto como é o caso da interação que se estabelece entre o aluno e o professor, ou ainda entre pares. Também Ribeiro (n.d., p.387) no artigo Dinâmica Relacional Entre Pares de Alunospartilha da mesma opinião e apresenta Laborde e Webb como autores com especial interesse no estudo das interrelações entre pares de alunos. Segundo esta autora, Laborde ao considerar o trabalho de grupo identifica nas relações estabelecidas geralmente dois problemas. Um, que se prende com a resolução de problemas e outro que tem a ver com a atividade social. Define em consequência disso dois processos de trabalho em grupo do tipo conflitual e do tipo cooperativo.
Vygotsky (Ribeiro, n.d., p.387) considera que as interações em sala de aula são essencialmente sociais, sendo importantes para a construção de representações dos conceitos também científicos.
Assim, há que tirar partido das relações que se estabelecem em diferentes contextos (familiar, escolar) entre os diferentes intervenientes no processo de aprendizagem e que por força da leitura potenciam o próprio desenvolvimento psicológico da criança.
É necessário que desde cedo a comunicação e linguagem nas suas diferentes vertentes seja potenciada pela leitura e trabalhada na componente oral e escrita para um progressivo domínio da linguagem simbólica.
Para que essa evolução aconteça a criança deve ser motivada para leitura de diferentes textos, literários e científicos, procurando entendê-los. Assim, deve-se considerar que o texto científico, considerado como enunciado, deve ser trabalhado como um texto de português, procurando a exploração do léxico por forma a que o aluno atribua um significado adequado aos termos utilizados.
Desta forma promove-se a compreensão não só dos termos mas também o desenvolvimento integral da criança.
César, M. (1998.). Social interactions and mathematics learnig. In: Proccedings of the first mathematics education and society conference. Nothingham
Delgado-Martins, Ramalho, G. e Costa, A.(2000). Literacia e Sociedade. Lisboa: Caminho
Ernesto, N. (agosto, 2005).Literacia e alfabetização em Moçambique. In:Idiomático revista digital de didáctica de PLNM (2005). nº5. Centro Virtual Camões. Acedido em abril 2, 2013 em http://cvc.instituto-camoes.pt/idiomatico/05/02.html
Palhares, P. (2000). Transição do pré-escolar para o 1º ano de escolaridade: Análise do ensino e das aprendizagens matemáticas. Tese de Doutoramento. Braga: Instituto de Estudos da Criança – Universidade do Minho
Ribeiro, C.C. (n.d.). Dinâmica relacional entre pares de alunos. In: Aprendizagem - Relações interpessoais .Lisboa: Universidade Nova de Lisboa
Sierpinska, A. (1998). Three epistemologies, three views of classroom comunication: Construtivism, sociocultural approaches, interactionism. In: H. Steinbring, M. G. B. Bussi & A. Sierpinska, (Eds.). Language and communication in the mathematics classroom, (pp.30-62). Reston, Virginia: National Council of Teachers of Mathematics
Sprinthall, N. & Sprinthall, R.C. (1993). Psicologia Educacional. Lisboa: McGraw-Hill
Witherspoon, M.L. (1999). And the answer is...simbolic. Teaching Children Mathematics. Vol.5, nº 7. pp.396 – 399. National Council of Teachers of Mathematics
Sandra Lima
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