Marionetas, fantoches…tu?
“Mas explica lá isso! Marionetas, fantoches, tu?”
Volta e meia perguntam-me assim, de repente. Como se fosse a coisa mais extraordinária. Como se fosse impossível eu ter esta ligação a esta área. Ter, não. Ter tido.
A história até podia ser longa e romantizada, mas resumida tem muito mais graça.
E na verdade é simples.
Desde que nasci que gosto de imaginar histórias e de as escrever. Na minha infância passava muito tempo perdida nos seus pensamentos. Podia dizer-se que era reservada, tímida e com poucos amigos. Para mim bastava um…uma amiga…uma confidente…o resto construía com a minha imaginação.
Certo dia a minha irmã, mais nova, pediu à minha mãe para ir para o teatro. Fazer um curso... de teatro. E a resposta foi simples “podes ir se a tua irmã for”.
Eu nem tinha vontade, para ser sincera. Queria ficar quieta no meu canto com as minhas coisas, os meus papeis e canetas, os caderninhos de escrita e os meus pensamentos. Mas era a minha irmã. A minha amiga. A minha confidente. O meu Amor.
O meu primeiro Amor.
E fui. Por ela fui.
No primeiro dia do curso tínhamos que subir ao palco, apresentar-nos, recitar qualquer coisa…enfim, nem me lembro o que recitei…deve ter sido um poema qualquer.
Lembro-me perfeitamente de estar sentada na plateia do teatro com toda a gente receosa de ser o primeiro. Lembro-me de eu pensar “que diabo, quanto mais depressa eu fizer isto mais depressa acaba”.
Quando me ia a levantar para subir ao palco e ser a primeira a despachar o assunto outro teve a mesma ideia que eu. Lembro-me de pensar “Irra logo agora que me enchi de coragem! Ele não podia ter esperado uns segundinhos?”
Ele lá despachou a coisa. E diga-se, em abono da verdade, que o fez muito bem. Já eu… Lá fui a seguir e despachei o assunto. Até hoje acredito que se não fosse por mais nada aquilo correu bem porque eu tinha presença em palco.
A minha irmã? Ah! Ah! Ah! Do que tenho memória foi das últimas.
Depois do curso, ao final de alguns meses, fomos convidadas a integrar um grupo de teatro de fantoches e marionetas aqui da cidade. O tal “ele” que foi o primeiro a subir ao palco no primeiro dia também foi convidado. E lá integramos um grupo de teatro amador.
Amador. Aquele que ama. Era mesmo isso. Fui amador, amadora, de marionetas, fantoches e formas animadas. Amei cada momento naquele grupo, com aquelas pessoas. Construímos fantoches de luva, de varão, marionetas de cruzetas, de manipulação à vista, demos vida a objetos e transformamos formas em vida: formas animadas.
Poder dar vida às personagens das histórias, torná-las tridimensionais a partir de tecidos, madeiras, esponja, com materiais recicláveis ou pastas de papel e madeira era inacreditável.
Durante sete anos estive ligada a este mundo. Primeiro com o grupo e depois a sós como Contadora de Histórias em bibliotecas, escolas. Onde houvesse uma criança desejosa de ver uma marioneta, um fantoche uma forma ganhar vida ao sair de uma mala de cartão, lá estava eu.
E depois?
Depois guardei estes bonecos, o cheiro da oficina, da cola, das tintas, os risos e as gargalhadas destas pessoas tão especiais que me ajudaram a ver vida nos farrapos e nas ripas de madeira.
Já lá vão muitos, muitos anos.
Guardei cada momento no meu coração, para agora poder partilhar tudo quanto aprendi com os meus filhos, os meus alunos e contigo que me lês.
Sandra Lima
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